Roda Viva

Marina Viabone - http://primeirorabisco.com/tag/desenho/




Roda mundo, roda gigante, 
Roda moinho, roda pião, 
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração.








Sempre chorei e ainda choro com esta música. Mais uma vez me pergunto sobre o que escrever. E neste momento penso sobre a limpeza que passei nos últimos anos.
Talvez o choro viesse por no fundo sentir que a roda viva mais cedo ou mais tarde pareceria um rolo compressor nas paixões da minha vida.

Aprender a se ver, se amar e se compreender leva um tempo. E comigo, assim como com outras pessoas que cruzei neste últimos tempos, me fez perceber que o convite a limpeza é um dos primeiros sinais que se apresentam.

Pra mim se apresentou quando morava em um apartamento alugado de 3 dormitórios, com 100 m2. Veio sorrateiramente e falou baixo no meu ouvido que deveria reduzir aqui e ali para um dia ampliar a família. Tinha total controle da minha vida,  ou era o que achava. E decidi engravidar. Mas a roda viva começou a agir com força e nada que eu fizesse faria ela parar. 

Tem dias que a gente se senteComo quem partiu ou morreuA gente estancou de repenteOu foi o mundo então que cresceuA gente quer ter voz ativaNo nosso destino mandarMas eis que chega a roda-vivaE carrega o destino pra lá


E tudo que eu achei que seria a maternidade, as ilusões sobre ter um bebê, sobre ser mãe, teve de ser limpo. A limpeza se apresentou fisicamente, reduzimos a casa para 80 m2 e tive de eliminar o que não caberia mais, para caber um bebê. 
Depois com sua chegada, uma nova limpeza física, reduzimos para 56 m2, eliminamos mais para cuidar de um bebê, deixando apenas o essencial, não havendo mais espaço, para bibelôs que juntavam pó, livros que não seriam lidos. Tudo para dar espaço as histórias de bebê e seus brinquedos. Os materiais de arte que produziam obras, viraram experiência nas mãos da criaturinha. As noites de sono que perdia por ela, o tempo que ia embora por ela, o trabalho se foi, e também o dinheiro, além de algumas partes de mim que iam embora rasgando o coração em pedaços. 
Às vezes a odiei por isso. Por levar coisas que me eram tão caras, pela maternidade e por esta limpeza levar partes de mim, sonhos que sonhei e que não realizaria mais.

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá

Mas só, quando a limpeza deixou apenas um punhado de caixas, o marido e a filha, em um colchão na sala dos meus pais, foi quando a limpeza que isto representou ficou clara e consciente. Quando percebi que a limpeza física era uma limpeza que estava se manifestando fisicamente, mas que na verdade era em quem eu fui para ter espaço para quem iria me tornar, o ódio cessou. A tristeza passou.

Me deparei com o minimalismo. E nele aprendi que o que vivi era parte deste conceito. Me tornei minimalista, não por escolha de ter uma nova filosofia de vida, mas porque não havia mais espaço na minha vida para nada além do que havia valor, valor de verdade. E entendi, o porquê das coisas que ficaram e das coisas que se foram. Só ficou o que é valioso pra minha alma.

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou

Ficou o amor que sinto por este ser que.me colocou nos eixos, me mostrando quanta porcaria havia em mim e que depois dela, só haveria espaço pro que faz bem. Grata sou a você minha filha. 

Ficou o marido, não aquele que conheci há quase 10 anos atrás, mas este homem que quase não reconheci. O que se tornou com a mudança e limpeza drástica que também sofreu na paternidade e na parceria fiel com esta que sofria a maternidade. Nem o relacionamento que tínhamos ficou, ele também foi expurgado com dores e sofrimentos, ganhando uma nova roupagem, que ainda está em construção gradativamente mais firmes, com escolha sempre consciente de permanecer.

Ficaram poucos amigos, apenas os que vibram na mesma energia. Alguns se foram, mas ainda estão. Seguem seu caminho, ali paralelo, mas não mais de mãos dadas. E tá tudo bem.

Com o espaço que se abriu o novo chegou, assim como minha menina um dia chegou em meus braços sorrindo, o novo se apresenta, novo trabalho, novo estilo de vida, novos amigos, nova forma de levar o relacionamento, tudo exigindo uma atenção especial como há que a minha filha exigiu, e que por causa dela agora eu tenho experiência pra lidar.

Só agora que renasceu, vejo o porquê de cada coisa que ficou pra trás. E agradeço. Tenho novos sonhos, tenho sonhos antigos reformulados, tenho apenas aquilo que me leva a diante. Claro que ainda haverá limpezas, que ficará só o que alimenta a alma, que é preciso manutenção pra manter as coisas assim. E para encarar melhor quando a roda viva colocar a agir.

Às vezes relendo o que digo percebo que há certa beleza nesta dor.

Sei do quanto doeu, das dores que senti, das tristezas que chorei, da raiva que gritei, dos risos que não dei e que vi sumir do rosto dos que eram mais caros. Só eu sei da dor de limpar algo que é valioso somente pra mim, e que é necessário deixar ir, porque o valor dado era ilusório. Ou porque já não faz.mais parte da nova história que quero escrever. Sei tanto da dor, quanto da necessidade de seguir adiante. Da vezes que a vida levou, e das vezes que eu mesma peguei e entreguei a ela, depois de uma certa maturidade, algumas coisas que sabia que não podiam mais ficar. Me despedindo com amorosidade daquilo que era eu, e que agora não é mais. Olhando agora há mesmo certa beleza nisso. A beleza da renovação. Que só depois de renascida, pode se ver.

Muitas vezes ainda senti a dor da saudade queimando do peito, pela vida que tive, por uma casa que amei, por um momento perdido na negatividade, por amigos que se foram, mas me lembrei novamente da roda viva, não por esperança, mas por saber da verdade e sabedoria das palavras. 

No peito a saudade cativa
faz força pro tempo parar, 
mas eis que chega a roda viva
e leva a saudade pra lá.

E hoje a saudade abriu espaço para memórias lindas de quem fui, que lembro com amor, alegria e respeito, e que deixei pra me tornar quem sou agora, pra construir nova história, que a roda viva um dia também fará nova limpeza, causando dor e saudade, transformando em mais memórias. 
Há sim uma certa beleza em tudo isso. E choro com a beleza da roda viva.

Gratidão Chico!
Gratidão Universo.

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